Saúde Complementar – Aspectos da Judicialização e Diretrizes para possíveis melhorias

O Direito à Saúde Suplementar constitui atualmente um dos temas mais discutidos judicialmente, quase sempre no objetivo de assegurar tratamentos ou coberturas não garantidas contratualmente ou mesmo sem previsão no rol de procedimentos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, que é revisado bienalmente.

No presente artigo abordaremos rápida e didaticamente esta situação, mostrando como o incremento na judicialização deste tipo de contrato não é benéfico, acarretando apenas uma majoração nos dispêndios pelas empresa privadas e por conseguinte, majoração nos prêmios a serem pagos pelos próprios consumidores. Focaremos a atenção, também, na relação entre beneficiário e operadora/ seguradora de saúde.

O primeiro ponto que merece análise é sobre a obrigação, ou Poder de Polícia, impelido legalmente à ANS, para regular as atividades das operadoras de planos de saúde. Ex: cabe à Agência normatizar os conceitos de doença e lesão preexistentes, dentre outros. É texto legal inserto no artigo 4º e incisos, da Lei 9.961/00.

Porém, em casos muitos, o Poder de Polícia da ANS é mitigado, em face da urgência de determinado procedimento médico. É certo que, em várias situações, o tratamento não pode aguardar. Por isso o Poder Judiciário, por vezes, profere decisões em desfavor dos planos de saúde privados, sem o amparo do conhecimento específico sobre a legislação e regulamento do setor da saúde suplementar, o que não é raro, infelizmente.

Neste sentido, muito importante a maximização dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus) no âmbito dos Tribunais de Justiça do Brasil, já em plena operação pelo país. Com eles, as decisões podem ser proferidas com maior técnica e assertividade, visto que amparadas em laudos médicos, produzidos exclusivamente para cada tema judicializado, após suscitação disto pelo magistrado.

Inclusive, com base no citado entendimento, em recente notícia vinculada no website da Associação Brasileira de Medicina de Grupo – ABRAMGE, vê-se que:1

“o Conselho Nacional de Justiça, por meio do Fórum Nacional da Saúde, estuda ações para atender a um possível aumento da judicialização no período pós-pandemia. A preocupação do colegiado é buscar a estruturação de ações e o diálogo interinstitucional. As medidas também estão sendo discutidas no âmbito dos Comitês Estaduais da Saúde, especialmente com o reforço para as ações conciliatórias.”

O NAT-Jus é formado em sua essência, por assistentes técnicos com especialização no âmbito da saúde suplementar, os quais podem auxiliar o magistrado a solucionar com maior brevidade e efetividade um conflito judicial. Entretanto, a maior benesse do Núcleo é a possibilidade de conciliação extrajudicial entre beneficiário e operadora.

Salutar pontuar que o NAT-Jus possibilita e fomenta a conciliação extrajudicial entre as partes, visto que os pareceres seguem as regras da ANS e da legislação aplicável, possibilitando a aproximação das partes e evitando o litígio.

O Núcleo, de acordo com o projeto, pode ser consultado pelo magistrado, para que apresente parecer sobre a situação sub judice, tornando mais preponderante a decisão final por parte do Judiciário. Acreditamos que o citado projeto não traz prejuízo, proporcionando avanços.

A análise por um leigo é mais dificultosa. O julgador, apesar de todo seu saber jurídico, nem sempre possui o conhecimento técnico da matéria atinente à saúde suplementar para identificar se tal situação discutida na demanda é, de fato, de obrigatoriedade das operadoras.

Mesmo porque, em grande quantidade dos litígios, o tratamento é concedido com base no rol de procedimentos da ANS. É fundamento das decisões o fato de que o rol de benefícios do Órgão Regulador é meramente exemplificativo, o que não condiz com o entendimento da Agência, conforme se denota do artigo 2º da Resolução Normativa nº 465 de 2021 da ANS, no qual se determina ser a listagem expressamente taxativa.

E é neste ponto que se torna plausível a maximização dos NAT-Jus. Por Lei, o Órgão Regulador deve rever o rol de benefícios bienalmente, tendo em vista o célere avanço das tecnologias e dos procedimentos médicos adequados às doenças. Ainda, há intenso debate junto ao Superior Tribunal de Justiça, onde a terceira e a quarta turmas possuem entendimentos diversos sobre a forma exemplificativa ou taxativa da lista de eventos em saúde.

Qualquer procedimento médico ou tratamento fármaco deve ser precedido de intensa análise por parte das Agências Reguladoras, a exemplo da ANVISA. Deste modo, uma decisão em que se impõe a concessão de algum medicamento não regulado poderia, inclusive, gerar maiores prejuízos.

O NAT-Jus pode, portanto, auxiliar a decisão do magistrado, já que a análise não é realizada por ele, mas sim por câmara especializada, que profere seu parecer, sem o condão da incerteza quanto à eventual eficácia do tratamento médico perseguido pelo beneficiário.

Além dos Núcleos, a ideia central seria criar varas especiais para dirimir os conflitos judiciais envolvendo beneficiários e operadoras/ seguradoras de saúde, tais como as varas de família, da infância e juventude e do idoso, por exemplo. Ao aliar-se uma vara especializada no tema ao NAT-Jus, ter-se-á maior possibilidade de resolução dos conflitos com maior celeridade e sem demagogias, fato este que impede que condenações desmensuradas possam ser impelidas aos planos de saúde.

A preocupação é patente e deve ser percebida por todos. Quão maior o quantitativo de condenações impostas, maior será o prêmio ou a mensalidade a ser quitada pelo beneficiário. Isso porque as operadoras de plano de saúde, ao suportarem dispêndios de valores com processos judiciais que muitas vezes envolvem pedido de indenização por danos morais, terão que repassar seus prejuízos aos beneficiários, a fim de equilibrar as contas financeiras.

Falamos aqui do princípio do mutualismo. O mutualismo estuda o capital e a garantia necessária à operação, de forma a garantir às partes o atendimento a seus interesses.
Entendemos que a continuidade do debate jurídico dos contratos de planos de saúde atrairá uma vasta diminuição da comercialização de tais contratos. Com maiores demandas judiciais e imposições de obrigações de fazer não previstas em contrato, além de indenizações por danos morais/materiais, eleva-se o custo de manutenção das operadoras/seguradoras de Saúde, atraindo os malefícios alhures discutidos.

A ABRAMGE possui revista trimestral sobre o tema em discussão e, na sua segunda edição discute justamente a crescente demanda envolvendo beneficiários e operadoras/seguradoras de saúde. Em específica passagem afirma que:2

“(…) Ainda que exista fundamento legal para muitas das ações movidas na Justiça, os especialistas da área são unânimes ao afirmar que o volume crescente de processos é uma anomalia, sintoma inequívoco de algo está errado. A situação é agravada pelos inúmeros abusos observados entre essas ações. Há quem recorra à Justiça para exigir itens os mais inusitados, tais como xampu, água de coco, fraldas, lenços umedecidos… Até um filtro de barro, acredite, já foi objeto de ação judicial. Outros buscam nos tribunais acesso a tratamentos caríssimos, ainda que de eficiência questionável, ou medicamentos experimentais que nem foram aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Nosso judiciário, infelizmente, é carente de conhecimento da beneficie das decisões proferidas de forma desordenada. Oferecer um fármaco que não goze de regulação ou aprovação pelos órgãos públicos responsáveis pode trazer mais malefícios do que benefícios ao usuário como dito no início do presente artigo.

Defendemos, portanto, a proposta da ABRAMGE. Termos uma vara especializada em Direito da Saúde, formada por pessoas especializadas e capacitadas no tema, reduziria drasticamente os efeitos negativos da judicialização das demandas e, neste norte, quanto mais reduzirmos tal situação, mais teríamos qualidade na relação contratual entre as partes.

 

  • Propuestas regulatorias

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